.

.

4 de março de 2013

Instrução Geral do Missal Romano (2002)


1.  Quando Cristo Senhor estava para celebrar com os discípulos a ceia pascal, na qual instituiu o sacrifício do seu Corpo e Sangue, mandou preparar uma grande sala mobiliada (Lc 22, 12).

A Igreja sempre entendeu que esta ordem lhe dizia respeito e, por isso, foi estabelecendo normas para a celebração da santíssima Eucaristia, no que se refere às disposições da alma, aos lugares, aos ritos, aos textos.


As presentes normas, promulgadas por vontade expressa do II Concílio do Vaticano, e o novo Missal que, de futuro, vai ser usado no rito romano para a celebração da Missa, constituem mais uma prova desta solicitude da Igreja, da sua fé e do seu amor inalterado para com o sublime mistério eucarístico, e da sua tradição contínua e coerente, não obstante a introdução de algumas inovações.

Testemunho de fé inalterável

2.   A natureza sacrificial da Missa, solenemente afirmada pelo Concílio de Trento[1], de acordo com toda a tradição da Igreja, foi mais uma vez formulada pelo II Concílio do Vaticano, quando, a respeito da Missa, proferiu estas significativas palavras: “O nosso Salvador, na última Ceia, instituiu o sacrifício eucarístico do seu Corpo e Sangue, com o fim de perpetuar através dos séculos, até à sua vinda, o sacrifício da cruz e, deste modo, confiar à Igreja, sua amada Esposa, o memorial da sua Morte e Ressurreição” [2].

Esta doutrina do Concílio, encontramo-la expressamente enunciada, de modo constante, nos próprios textos da Missa. Assim, o que já no antigo Sacramentário, vulgarmente chamado Leoniano, se exprimia de modo inequívoco nesta frase: “todas as vezes que celebramos o memorial deste sacrifício, realiza-se a obra da nossa redenção”[3], aparece-nos desenvolvido com toda a clareza e propriedade nas Orações Eucarísticas. Com efeito, no momento em que o sacerdote faz a anamnese, dirigindo-se a Deus, em nome de todo o povo, dá-Lhe graças e oferece-Lhe o sacrifício vivo e santo, isto é, a oblação apresentada pela Igreja e a Vítima, por cuja imolação quis o mesmo Deus ser aplacado[4]; e pede que o Corpo e Sangue de Cristo sejam sacrifício agradável a Deus Pai e salvação para todo o mundo[5].

Deste modo, no novo Missal, a norma da oração (lex orandi) da Igreja está em consonância perfeita com a perene norma de fé (lex credendi). Esta ensina-nos que, excepto o modo de oferecer, que é diverso, existe perfeita identidade entre o sacrifício da cruz e a sua renovação sacramental na Missa por Cristo Senhor instituída na última Ceia, ao mandar aos Apóstolos que a celebrassem em memória d’Ele. Consequentemente, a Missa é ao mesmo tempo sacrifício de louvor, de acção de graças, de propiciação e de satisfação.

3.   O mistério admirável da presença real do Senhor sob as espécies eucarísticas, reafirmado pelo II Concílio do Vaticano[6] e outros documentos do Magistério da Igreja[7], no mesmo sentido e com a mesma doutrina com que o Concílio de Trento o tinha proposto à nossa fé[8], é também claramente expresso na celebração da Missa, não só pelas próprias palavras da consagração, em virtude das quais Cristo se torna presente por transubstanciação, mas também pela forma como, ao longo de toda a liturgia eucarística, se exprimem os sentimentos de suma reverência e adoração. É este o motivo que leva o povo cristão a prestar culto peculiar de adoração a tão admirável Sacramento, na Quinta-Feira da Ceia do Senhor e na solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo.

4.   Quanto à natureza do sacerdócio ministerial próprio do presbítero, que em nome de Cristo oferece o sacrifício e preside à assembleia do povo santo, ela é posta claramente em relevo pela própria estrutura dos ritos, lugar de preeminência e função mesma do sacerdote. Os atributos desta função ministerial são enunciados explícita e desenvolvidamente no prefácio da Missa crismal, em Quinta-Feira da Semana Santa, precisamente no dia em que se comemora a instituição do sacerdócio. Nesta acção de graças é claramente afirmada a transmissão do poder sacerdotal mediante a imposição das mãos; e é descrito este poder, enumerando as suas diversas funções, como continuação do poder do próprio Cristo, Sumo Pontífice da Nova Aliança.

5.   Mas esta natureza do sacerdócio ministerial vem também colocar na sua verdadeira luz outra realidade de suma importância, que é o sacerdócio real dos fiéis, cujo sacrifício espiritual é consumado pelo ministério dos sacerdotes em união com o sacrifício de Cristo, único Mediador[9]. Com efeito, a celebração da Eucaristia é acção de toda a Igreja; nesta acção, cada um intervém fazendo só e tudo o que lhe compete, conforme a sua posição dentro do povo de Deus. E foi precisamente isto o que levou a prestar maior atenção a certos aspectos da celebração litúrgica insuficientemente valorizados no decurso dos séculos. Este povo é o povo de Deus, adquirido pelo Sangue de Cristo, congregado pelo Senhor, alimentado com a sua palavra; povo chamado para fazer subir até Deus as preces de toda a família humana; povo que em Cristo dá graças pelo mistério da salvação, oferecendo o seu Sacrifício; povo, finalmente, que, pela comunhão do Corpo e Sangue de Cristo, se consolida na unidade. E este povo, embora seja santo pela sua origem, vai continuamente crescendo em santidade, através da participação consciente, activa e frutuosa no mistério eucarístico[10].

Uma tradição ininterrupta

6.   Ao enunciar os princípios que deveriam presidir à revisão do Ordo Missae, o II Concílio do Vaticano, servindo-se dos mesmos termos usados por S. Pio V na Bula Quo primum, que promulgava o Missal Tridentino de 1570, determina, entre outras coisas, que certos ritos sejam restaurados “em conformidade com a antiga norma dos Santos Padres”[11]. Na própria concordância de termos, pode já verificar-se como, não obstante o espaço de quatro séculos que medeia entre eles, ambos os Missais Romanos seguem a mesma tradição. E, se examinarmos atentamente os elementos mais profundos desta tradição, veremos também como, de uma forma muito feliz, o segundo Missal vem aperfeiçoar o primeiro.

7.   Numa época particularmente difícil como aquela, em que estava em perigo a fé católica sobre o carácter sacrificial da Missa, sobre o sacerdócio ministerial, sobre a presença real e permanente de Cristo sob as espécies eucarísticas, o que mais preocupava S. Pio V era salvaguardar uma tradição, algo recente, é certo, mas injustamente atacada, e, consequentemente, introduzir o mínimo de alterações nos ritos sagrados. De facto, este Missal de 1570 pouco difere do primeiro impresso em 1474, o qual, por sua vez, reproduz fielmente o Missal do tempo de Inocêncio III. Além disso, se bem que os códices da Biblioteca Vaticana tenham ajudado a corrigir algumas expressões, não permitiram, naquela diligente investigação dos “antigos e mais fidedignos autores” ir além dos comentários litúrgicos da Idade Média.

8.   Pelo contrário, hoje em dia, aquela “norma dos Santos Padres”, que os correctores do Missal de S. Pio V se propunham seguir, encontra-se enriquecida com numerosos estudos de eruditos. Com efeito, após a primeira edição do chamado Sacramentário Gregoriano, publicado em 1571, os antigos Sacramentários Romanos e Ambrosianos, bem como os antigos livros litúrgicos Hispânicos e Galicanos, têm sido objecto de várias edições críticas, que deram a conhecer numerosíssimas orações de grande valor espiritual, até então desconhecidas.

Além disso, após a descoberta de numerosos documentos litúrgicos, também se conhecem melhor as tradições dos primeiros séculos, anteriores à formação dos ritos do Oriente e do Ocidente.

Há ainda a acrescentar o progresso dos estudos patrísticos, que veio projectar nova luz sobre a teologia do mistério eucarístico, ilustrando-a com a doutrina dos mais eminentes Padres da antiguidade cristã, tais como S. Ireneu, S. Ambrósio, S. Cirilo de Jerusalém, S. João Crisóstomo.

9.   Por isso, a “norma dos Santos Padres” não reclama somente a conservação daquelas tradições que nos legaram os nossos antepassados imediatos; exige também que se abranja e examine mais profundamente todo o passado da Igreja e todos esses diversos modos pelos quais se exprimiu a única e mesma fé, através das mais variadas formas de cultura e civilização, como as que correspondem às regiões semitas, gregas e latinas. Esta mais ampla perspectiva permite-nos descobrir como o Espírito Santo inspira ao povo de Deus uma admirável fidelidade na guarda imutável do depósito da fé, por mais variadas que se apresentem as formas da oração e dos ritos sagrados.


Adaptação às novas condições

10.   O novo Missal, portanto, dando testemunho da norma de oração da Igreja romana e conservando o depósito da fé legado pelos concílios mais recentes, constitui por sua vez uma etapa de grande importância na tradição litúrgica.

            Quando os Padres do Concílio Vaticano II reafirmaram os dogmas do Concílio Tridentino, falaram numa época da história bastante diferente; por isso formularam, em matéria pastoral, desejos e conselhos que há quatro séculos não se podiam prever.

11.   O Concílio de Trento já reconhecera o grande valor catequético da celebração da Missa, mas não pudera tirar todas as suas conseqüências para a vida prática. Muitos, na verdade, pediam que se permitisse o uso da língua vernácula na celebração do Sacrifício Eucarístico. Porém, por ocasião deste pedido, o Concílio, tendo em conta as circunstâncias daquele tempo, julgou dever reafirmar a doutrina tradicional da Igreja, segundo a qual o Sacrifício Eucarístico é antes de tudo uma ação do próprio Cristo, cuja eficácia não depende do modo de participação dos fiéis. Por isso, ele se exprimiu com estas palavras firmes e moderadas: "Ainda que a Missa contenha um grande ensinamento para o povo fiel, os Padres não julgaram oportuno que seja celebrada em língua vernácula indistintamente"12. E condenou quem julgasse ser reprovável "o rito da Igreja romana, onde parte do Cânon e as palavras da consagração são proferidas em voz baixa; ou que a Missa devesse ser celebrada somente em língua vernácula"13. Contudo, ao proibir o uso da língua vernácula na Missa, ordenou aos pastores de almas que o substituíssem pela catequese em momento oportuno: "Para que as ovelhas de Cristo não sintam fome ..., ordena o Santo Sínodo aos pastores e a todos os que têm cura de almas que freqüentemente, durante a celebração da Missa, por si mesmos ou por outrem, expliquem alguns dos textos que se lêem na Missa e ensinem entre outras coisas algo sobre o mistério do Santíssimo Sacrifício, principalmente nos Domingos e festas"14.

12.   O Concílio Vaticano II, reunido para adaptar a Igreja às necessidades de seu múnus apostólico nos nossos dias, examinou em profundidade, como o Concílio de Trento, o aspecto catequético e pastoral da sagrada Liturgia15. E, como nenhum católico negue a legitimidade e a eficiência de um rito sagrado realizado em língua latina, ele pôde reconhecer que "não raro o uso da língua vernácula seria muito útil para o povo" e conceder a licença para usá-la16. O ardente entusiasmo com que esta deliberação foi acolhida por toda parte fez com que logo, sob a direção dos Bispos e da própria Sé Apostólica, todas as celebrações litúrgicas participadas pelo povo pudessem realizar-se em língua vernácula, para que mais plenamente se compreendesse o mistério celebrado.

13.   Contudo, como o uso da língua vernácula na sagrada Liturgia é apenas um instrumento, embora de grande importância, pelo qual mais claramente se realiza a catequese do mistério contido na celebração, o Concílio Vaticano II ordenou que algumas prescrições do Concílio de Trento, ainda não cumpridas em todos os lugares, fossem postas em prática, com a homilia nos domingos e dias de festa17, ou a introdução de algumas explicações durante os ritos sagrados18.

            Mas o Concílio Vaticano II, aconselhando "aquela participação mais perfeita na missa, em que os fiéis, depois da comunhão do sacerdote, recebem o Corpo do Senhor consagrado no mesmo sacrifício"19, urgiu que se pusesse em prática um outro desejo dos Padres de Trento, ou seja, que, para participar mais plenamente na sagrada Eucaristia, "os fiéis presentes em cada Missa não comunguem apenas espiritualmente, mas também pela recepção sacramental da Eucaristia"20.

14.   Movido pelo mesmo desejo e zelo pastoral, o Concílio Vaticano II pôde reexaminar o que o Tridentino determinara a respeito da Comunhão sob as duas espécies. Com efeito, como hoje já não se põem mais em dúvida os princípios doutrinários quanto à plena eficácia da Comunhão recebida apenas sob a espécie de pão, permitiu ele que se dê algumas vezes a Comunhão sob as duas espécies, a fim de que, através de uma apresentação mais elucidativa do sinal sacramental, haja uma oportunidade para se compreender melhor o mistério de que os fiéis participam21.

15.   Deste modo, enquanto permanece fiel ao seu múnus de mestra da verdade, a Igreja, conservando "o que é antigo", isto é, o depósito da tradição, cumpre também o seu dever de julgar e de prudentemente assumir "o que é novo" (cf. Mt 13, 52).

            Na verdade, certa parte do novo Missal relaciona mais claramente as preces da Igreja com as necessidades do nosso tempo. Isto acontece sobretudo com as Missas rituais e as Missas "para as diversas circunstâncias", nas quais a tradição e a inovação harmoniosamente se associam. Por isso, enquanto muitos textos hauridos na mais antiga tradição da Igreja e divulgados pelas diversas edições do Missal Romano permanecem inteiramente intactos, outros foram adaptados às aspirações e condições hodiernas. Outros, finalmente, como as orações pela Igreja, pelos leigos, pela santificação do trabalho humano, pela comunidade de todos os povos e por algumas necessidades do nosso tempo, foram integralmente compostas a partir de pensamentos, e, muitas vezes, das próprias palavras dos documentos conciliares.

            Igualmente, devido à consciência da nova situação do mundo de hoje, não se julgou comprometer o venerável tesouro da tradição, modificando-se algumas expressões de textos antiquíssimos, para que melhor se adaptassem à atual linguagem teológica e correspondessem melhor à atual disciplina eclesiástica. Assim, foram mudadas algumas expressões referentes à estima e ao uso dos bens terrenos, como também algumas fórmulas que acentuavam certas modalidades de penitência externa, mais apropriadas a outros tempos da Igreja.

            Deste modo, as normas litúrgicas do Concílio Tridentino foram em muitos pontos completadas e aperfeiçoadas pelas normas do Vaticano II, que levou a bom termo os esforços que visavam a aproximar os fiéis da sagrada Liturgia, empreendidos nos quatro últimos séculos, principalmente nos últimos tempos, graças sobretudo à estima pelos estudos litúrgicos, promovidos por S. Pio X e seus sucessores.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Formando e Informando Católicos; Paz e Bem! Agradecemos sua participação no blog!!

Ratings and Recommendations by outbrain