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26 de janeiro de 2013

Lutero e Litúrgia

 1.1 – O contexto da Reforma de Lutero 

 O período em que acontece a Reforma é um período no qual a área germânica central “estava em efervescência e passava por profundas transformações”, uma vez que a população estava crescendo muito.

 O aumento populacional gerou sobra da mão de obra, bem como crescimento das cidades pelo êxodo rural  e pelo surgimento de novas atividades.

 Isso tudo ocasionou também uma divisão entre ricos e pobres e um aumento da violência por parte das pessoas que queriam manter à força os monopólios na mão de obra, no comércio e na fabricação da cerveja, e por parte do governo, que se utilizava da violência para a cobrança cada vez maior de impostos. A Igreja, por sua vez, enfatizava a penitência.

No entanto, quem não podia, ou não queria fazer penitência, comprava indulgências para evitar o fogo do inferno, aumentando, assim, a arrecadação de dinheiro para a Igreja. Ou seja, o Deus que era pregado naquela época negociava a salvação em troca de castigos (penitências) ou de dinheiro (indulgências), não por amor e graça. Isso se dava por influência do occamismo, que insistia que a graça de Deus era resultado do esfor-ço/merecimento humanos. Essa visão/concepção de Deus se refletia nas missas, as quais eram consideradas sacrifícios oferecidos a Deus.

 O individualismo também era forte, pois assistia-se à missa sem participar da comunhão a qual era substituída pela adoração à hóstia (que se acreditava ser fonte de graças particulares) e pela veneração do sangue e das chagas do Cristo morto.

 Também eram enfatizados os cultos aos santos, a encomenda de missas para os mortos e como proteção contra males e a prática do rosário. Lutero, no período de sua vida monástica, via nos cultos e na obediência às regras do convento um meio de alcançar a graça divina, ou seja, também via a salvação como resultado do esforço humano.

 Apesar dessa situação e do descrédito em relação aos clérigos, o culto e a Igreja eram respeitados e o “apetite divino” permanecia. Mas havia também um anseio por mudanças, por uma volta “a um estado original considerado modelo”.

1.2 – Objetivos de Lutero ao elaborar liturgias

 Lutero, ao elaborar suas propostas de liturgia para o culto, não queria abolir o que aí vigorava, mas talvez, atendendo aos anseios vistos anteriormente, e também para se posicionar frente ao que outros estavam fazendo17, seu objetivo era restaurar, “restabelecer o seu [do culto] verdadeiro uso”18, resgatando para isso principalmente a Palavra. Lutero denunciava que a Palavra de Deus fora silenciada nos cultos e que ela acabara substituída por fábulas, lendas e histórias mentirosas.

 O resgate da Palavra, para Lutero, significava fazer com que ela “chegasse” a todas as pessoas, até às mais simples. Por isso, Lutero demonstrou preocupação para que o culto não fosse cansativo, que fosse feito com amor, não fosse apenas “um palavrório e um vozerio vazio”, mas que fosse também uma forma de instrução do povo, para que este se tornasse conhecedor da Bíblia.

 Para alcançar tais objetivos, Lutero propôs que: o culto tivesse partes em língua alemã (principalmente as partes de leitura da Palavra e cantos, quando não fosse completamente em alemão), mas preservando ainda o latim, pois assim também os jovens poderiam aprendê-lo. Propôs também que as pregações abrangessem toda a Bíblia, não somente uma pequena parte.

Outra preocupação de Lutero foi com que as pessoas pudessem participar ativamente nos cultos.
Por esta razão também se empenhou para que as melodias dos hinos fossem fáceis24 e estabeleceu uma liturgia “simplificada, uniforme para todas as épocas do ano” . Conforme já mencionado, para Lutero o culto era também um importante espaço na instrução dos jovens, por isso não poderia estar repleto de novidades, pois isso tornaria o culto mais uma vez algo cansativo, provocando o seu esvaziamento.

O ideal de culto para Lutero não foi nem o que ele propôs em 1523 ou em 1526, mas sim que as pessoas se inscrevessem e se reunissem em alguma casa qualquer com o objetivo de orar, ler, realizar os sacramentos de forma breve e bonita, praticar obras cristãs e ofertar para distribuir entre os pobres. Também nessa forma ideal por ele proposta a ênfase deveria estar na Palavra.

Lutero sabia que uma ordem de culto uniforme poderia ser um importante instrumento para a unidade da Igreja, porém também não queria que essa uniformidade novamente se tornasse uma lei, um mérito diante de Deus para conquistar a salvação. Era isto que ele condenava nas missas católicas da época:
“Isto é o diabo”. Enfim, Lutero não queria que o culto tivesse uma ordem “inflexível” em todos os tempos e lugares, mas apresentou “princípios norteadores para a sua estruturação”.

Para alcançar esses objetivos, Lutero sabia que era necessário explicar o rito, e não fazer algo sem a aprovação, sem o consentimento da comunidade.

1.3 – Formulário da Missa e da Comunhão para a Igreja de Wittenberg (1523) 

Após muita resistência, Lutero, em 1523, elaborou uma proposta de liturgia para a celebração das missas. Nela ele não pretendia acabar de vez com os costumes antigos, nem trazer algo totalmente novo, mas sim “tratar de uma forma evangélica de celebrar a missa (como dizem) e de comungar”.

A missa elaborada por Lutero em 1523 tinha a seguinte ordem:

- Intróito: salmo de entrada;
- Kyrie: poderia ser cantado com várias melodias e seguido do Glória in excelsis. Por opção do pastor, essa parte poderia ser omitida;
- Oração de coleta: somente uma e seguida da leitura da epístola (dando preferência às epístolas de Paulo, nas quais é ensinada a fé);
- Graduais: eram seguidos do aleluia (versículo com aleluia) não devendo exceder mais de dois versículos para não se tornarem tediosos. Nessa parte devia-se se respeitar as épocas da Quaresma e da Semana Santa;
- Leitura do Evangelho: acompanhada ou não de velas e incensos;
- Credo Niceno: cantado, ficando sua utilização ou não como opção do pastor;
- Pregação no vernáculo: poderia ocorrer nesse momento ou até mesmo antes do intróito;
- Ofertório: para Lutero o ofertório “cheirava a sacrifício”36, por isso deveria ser deixado fora da missa e seguia da seguinte maneira:
- Preparação do vinho e do pão para a bênção;
- Diálogo entre oficiante e comunidade seguido do prefácio;
- Palavras de instituição: dita após um breve intervalo, podendo ser recitada em silêncio ou em voz alta;
- Sanctus: cantado pelo coro;
- Benedictus: enquanto ocorria os elementos eram elevados. Nesse ponto Lutero dizia estar fazendo uma modificação que poderia causar escândalo, por isso essa mudança deveria ser precedida de uma pregação que a explicasse;
- Pai Nosso: os gestos feitos com a hóstia e o cálice
após o Pai Nosso deveriam ficar de fora;
- Gesto da paz: feito com o oficiante de frente para o povo;
- Agnus Dei (Cordeiro de Deus);
- Comunhão: sendo que comungava primeiro o oficiante e depois a comunidade; enquanto isso poderia ser cantado o Communio.

Lutero também defendia que as duas espécies (o pão e o cálice) fossem dadas à comunidade, e não somente uma delas (o pão), pois a decisão de dar somente uma das espécies era decisão humana, de um concílio, enquanto dar as duas era ordem expressa do próprio Cristo, conforme está descrito nos Evangelhos e em Paulo. Dar somente uma das espécies era colocar o ser humano acima do próprio Deus.

Lutero também recomendava que aquelas pessoas que iriam participar da eucaristia fizessem uma inscrição anterior e que primeiro passassem por um “teste” respondendo a perguntas referentes à eucaristia (o que significava, para que servia, por que queriam tomá-la). Esse “teste” deveria ser feito pelo menos uma vez ao ano. Com isso Lutero queria evitar a participação dos indignos.

Ainda quanto à comunhão, Lutero era contrário a que se celebrasse a comunhão de um modo privado dentro da igreja, mas incentivava que ela acontecesse em torno do altar, onde as pessoas que estavam participando pudessem ser vistas, isso era também uma forma de testemunhar que eram pessoas cristãs. Quanto à preparação, ele afirmava não ser necessária a confissão privada, mas a considerava útil, recomendando também que as pessoas que iriam participar da eucaristia viessem no mínimo sóbrias.
- Ite missa: algo semelhante a um envio e que significa “Ide, a missa terminou.”;
- Bênção: a costumeira (Abençoe-vos o onipotente Deus, Pai, Filho e Espírito Santo – dita em latim) ou Números 6.24-27, ou ainda o Salmo 67.6-7.

Interessante é que Lutero modificou os textos bíblicos de bênção, utilizando os pronomes “nós”, ao invés de “vós” ou “te”; com isso ele mesmo se incluía na bênção.
Lutero sugeriu, ainda, que fossem cantados o máximo possível de hinos na língua vernácula, até que se pudesse celebrar toda a missa em alemão, possibilitando, assim, uma maior participação do povo na missa.

Fazia uma crítica ao abuso das coisas exteriores (vestes, velas, vasos, etc...), pois eram usadas para a obtenção de lucros em negócios.
Isso ficou claro novamente quando Lutero comendou que não houvesse luxo e pompa nas vestes litúrgicas. Em relação a estas recomendava, ainda, que não fossem tratadas como objetos sagrados, pois isso era superstição.

 1.4 – Missa Alemã e Ordem de culto (1526) 

 Atendendo aos anseios das comunidades, de teólogos e também do príncipe-eleitor da Saxônia, Lutero elaborou a Missa Alemã, que foi definitivamente introduzida em Wittenberg no Natal de 1525, sendo impressa logo após.

Com essa Missa Alemã Lutero não quis que as demais formas de missa (de 1523 e em latim) fossem eliminadas, nem que fosse usada como uma lei, mas que fosse usada com liberdade “segundo o seu [do oficiante] agrado, como, onde, quando e por quanto tempo as circunstâncias o reclamassem e exigissem”.

Destacou ainda a utilidade da Missa Alemã para a busca da unidade, e da necessidade dessa ordem por causa daquelas pessoas que viriam a ser cristãs. Antes de escrever o texto da missa propriamente dita, Lutero ainda escreveu destacando a importância de ensinar o catecismo e de educar as crianças na fé. Também trouxe recomendações quanto ao culto diário ao longo da semana, que tinha sua ênfase na pregação.

A Missa Alemã era uma missa cantada (com exceção da pregação e da paráfrase que precede a Santa Ceia). Por isso também uma das preocupações de Lutero foi de não traduzir simplesmente o texto para o vernáculo, usando a melodia dos textos latinos, mas de que houvesse uma harmonia entre o texto, as notas, o acento e a língua usada.

Lutero, inclusive, substituiu partes da liturgia por hinos e, com a simplificação das melodias, conseguiu que a comunidade participasse mais. Com uma missa totalmente na língua do povo e com cantos de melodias simples, possibilitando que o povo compreendesse e participasse da missa, Lutero pretendia que o povo ocupasse novamente o seu lugar, ou seja, que o povo celebrasse a missa e não o sacerdote.

A Missa Alemã elaborada por Lutero tinha a seguinte ordem:

- Intróito: canto de um Salmo, que também poderia ser substituído por um hino sacro alemão;
- Kyrie Eleison: cantado somente três vezes, sempre no mesmo tom;
- Oração de coleta: lida num único tom. A formulação de coleta que Lutero apresentou é bem clássica, tendo invocação, ação de Deus no passado, súplica por atendimento, indicação de finalidade e conclusão (esta não era em forma trinitária). Deveria ser feita com o rosto voltado para o altar;
- Epístola: o sacerdote que realiza a leitura fica virado de frente para o povo;
- Canto: este é em língua alemã e cantado em conjunto pela comunidade com o coro inteiro.
A sugestão, a julgar pelo título (“Agora pedimos ao Espírito Santo”), é de um hino de invocação do Espírito Santo;
- Leitura do Evangelho: quem realiza a leitura também fica com o rosto voltado para o povo;
- Confissão de fé: credo cantado em alemão;
- Pregação: esta acontecia tendo como base o Evangelho do domingo ou do dia de festa.
Lutero demonstrava preocupação com o que iria ser pregado e por isso recomendava que os pregadores lessem uma postila de pregações elaborada por ele. Com isso queria evitar também que fossem pregados “gansos azuis” (assuntos estranhos ao Evangelho).
A leitura da postila servia, ainda, como precaução contra os entusiastas e contra outras seitas.
- Paráfrase transparente do Pai Nosso e uma exortação aos que iriam participar na Santa Ceia:
aqui Lutero começou a fazer mudanças mais radicais, e as fez, mais uma vez, com a intenção de tirar da missa tudo o que pudesse ter algum “cheiro”de sacrifício64.
O ofertório, eliminado já na Missa de 1523, continuou de fora.
A oração eucarística foi eliminada. Não ficou nem mesmo o gesto da paz.
Em seu lugar Lutero introduziu uma paráfrase do Pai Nosso.
O que Lutero quis com esta paráfrase foi “ensinar e conduzir o povo”.
A paráfrase do Pai Nosso seria a forma de se rememorar o Senhor, cumprindo com a sua ordem. Importante também era que esta paráfrase não fosse modificada sempre de novo, mas que tivesse uma formulação definitiva e um procedimento uniforme para não confundir o povo.
- Celebração da Ceia e consagração: para consagração dos elementos da Ceia, Lutero usava as palavras da instituição e o canto do Sanctus com a elevação dos elementos, pois achava que combinavam e poderiam significar o cumprimento da ordem de rememorar Cristo.
Quanto à forma de distribuição da Ceia, a sugestão era de que primeiro fosse distribuído o pão e depois fosse consagrado e distribuído o cálice. Lutero também sugeriu que homens e mulheres viessem separadamente (primeiro os homens e depois as mulheres) à Ceia e também permanecessem separados durante o culto;
- Coleta: esta oração é também conhecida como pós-comunhão
- Bênção: o texto sugerido para a bênção foi mais uma vez o texto de Números 6.24, no entanto, dessa vez Lutero o escreveu utilizando o pronome “te” e não “nós”, não se incluindo na bênção, como havia feito na missa de 1523.

Na missa de 1526, Lutero, mais uma vez, se referiu ao uso das vestes, da vela e do altar, sugerindo que estes continuassem sendo utilizados até que se quisesse fazer alguma modificação, deixando também liberdade para quem quisesse agir de maneira diferente.
Não ficou muito claro o que ele queria em relação ao altar, pois apenas disse que “o altar não deveria permanecer da forma como está”.
Talvez ele já estivesse pensando que o altar, como mesa da comunhão, deveria estar no centro, pois sugeriu também que o sacerdote ficasse de frente para o povo, assim como Cristo certamente ficou de frente para os seus discípulos na Ceia.

Lutero encerrou a missa de 1526 sugerindo exercícios  para aprender a usar as melodias e lembrando mais uma vez que o que ele estava propondo não poderia virar uma lei imutável, nem ser usado como mérito diante de Deus, mas que deveria servir “para a promoção da fé e do amor”.

 Fonte de pesquisa: MÁRCIO ARTHUR TRENTINI - mestre em teologia

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