.

.

15 de setembro de 2012

O Primado de São Pedro - segunda parte


Infalibilidade do colégio apostólico e do corpo episcopal.

A infalibilidade do colégio apostólico provém:

Da missão confiada a todos os apóstolos de “ensinar todas as nações” (Mat. XXVIII, 20);

Da promessa de estar com eles “até a consumação dos séculos” (Mat. XXVIII, 20) e de lhes “enviar o consolador, o Espírito Santo que lhes há de ensinar toda a verdade” (João XIV, 26). Estas passagens mostram com evidência que o privilégio da infalibilidade foi concedido ao corpo docente tomado coletivamente.

Do colégio apostólico o privilégio passou para à classe episcopal. Não sendo limitada no tempo e no espaço, segue-se que a missão de ensinar deve passar aos sucessores dos Apóstolos com o privilégio que lhe é inerente. Devemos, contudo, fazer uma distinção entre os Apóstolos e os Bispos.
Os Apóstolos tinham como campo de ação todo o universo, visto que as palavras de Nosso Senhor “ide e ensinai todas as gentes” foram dirigidas a todos coletivamente. Portanto, eram missionários universais da fé e podiam pregar por toda a parte o Evangelho como doutores infalíveis.
Os Bispos, porém, só se podem considerar como sucessores dos Apóstolos tomados coletivamente; cada Bispo não é o sucessor de cada  Apóstolo. 
Têm apenas jurisdição numa determinada região, cuja extensão e limites são fixados pelo Papa. Não herdaram, por conseguinte, individualmente a infalibilidade pessoal dos Apóstolos. Só o conjunto dos Bispos goza da infalibilidade.

Infalibilidade de São Pedro e de seus sucessores. O privilégio da infalibilidade foi conferido duma maneira especial a S. Pedro e aos seus sucessores. A tese prova-se com um argumento tirado dos textos evangélicos e outro baseado na história.

Argumento escriturístico. A infalibilidade de Pedro e de seus sucessores demonstram-se com os mesmos textos que provam o primado.

Em primeiro lugar, com o “Tu es Petrus” “Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja”. É incontestável que a estabilidade de um edifício lhe vem dos alicerces. Se Pedro, que deve sustentar o edifício cristão, pudesse ensinar o erro, a Igreja estaria construída sobre um fundamento ruinoso e já não se poderia dizer: “as portas do inferno não prevalecerão contra ela”.

Depois com o “confirma fratres”, “confirma os teus irmãos”, Jesus assegurou a Pedro que pedira dum modo especial por ele, “para que a sua fé não desfaleça” (Luc. XXII, 32). É evidente que esta prece feita em circunstâncias tão solenes e tão graves não pode ser frustrada.

Finalmente, com o “Pasce oves” “apascenta as minhas ovelhas”. Foi confiada a Pedro a guarda de todo o rebanho. Ora, não se pode supor que Jesus Cristo tenha entregado o seu rebanho aos cuidados de um mau pastor que o desencaminhe por pastos venenosos.

Não é necessário insistir em provar que a infalibilidade de Pedro se transmitiu aos seus sucessores, porque estes deverão ser para a Igreja, na longa série dos séculos, o que Pedro foi para a Igreja nascente. A Igreja, em qualquer momento da sua história, só poderá alcançar a vitória contra os ataques de Satanás, se o fundamento, sobre o qual se apóia, conservar a mesma solidez e estabilidade.

Argumento histórico. Para provar pela história que os Papas gozaram sempre do privilégio da infalibilidade, basta mostrar que foi essa em todos os tempos a crença da Igreja e que de fato os papas nunca erraram em questões de fé e de moral.

Crença da Igreja. A crença da Igreja não se manifestou da mesma forma em todos os séculos. Houve, na verdade, certo desenvolvimento na exposição do dogma a até no uso da infalibilidade pontifícia; mas nem por isso o dogma deixa de remontar aos primeiros tempos, e de fato já o encontramos em germe na Tradição mais afastada, como se demonstra pelo sentir dos Padres da Igreja e dos concílios, e pelos fatos:

Sentir dos Padres da Igreja. No século II, S. Ireneu afirmava que todas as Igrejas se devem conformas com a de Roma, pois só ela possui a verdade integral. S. Cipriano dizia que os Romanos "estão garantidos na sua fé pela pregação do Apóstolo e são inacessíveis à perfídia e ao erro”. S. Jerônimo, para pôr termo às controvérsias que afligiam o Oriente, escreveu ao Papa Damaso nos seguintes termos: “Julguei que devia consultar e esta respeito a cadeira de Pedro e a fé Apostólica, pois só em vós está ap abrigo da corrupção o legado de nossos pais”. S. Agostinho diz a propósito do pelagianismo: “Os decretos dos dois concílios relativos ao assunto foram submetidos à Sé apostólica; já chegou a resposta, a causa está julgada”, “Roma locuta est, causa finita est”. O testemunho de S. Pedro Crisólogo não é menos explícito: “Exortamo-vos, veneráveis irmão, a receber com docilidade os escritos do Santo Papa da cidade de Roma, porque S. Pedro, sempre presente na sua sede, oferece a fé verdadeira aos que a procuram”.

Sentir dos concílios. O que fica dito anteriormente acerca do primado do Bispo de Roma, aplica-se com a mesma propriedade ao reconhecimento de sua infalibilidade.

Os fatos. No século II, o papa Vitor excomungou Teodósio que negava a divindade de Cristo , com uma sentença dita por todos como definitiva. Zeferino condenou os montanistas, Calisto os sabelianos e, a partir destas condenações, foram considerados como herejes. Em 417, o papa Inocêncio proscreveu o pelagianismo, e a Igreja reconheceu o decreto como definitivo. Em 430, o papa Celestino condenou a doutrina de Nestório, e os Padres do Concílio de Éfeso seguiram a sua opinião. O Concílio de Calcedônia (451) recebeu solenemente a célebre carta dogmática do papa Leão I a Flaviano, que condenou a heresia de Eutiques, proclamando unanimemente: “Pedro falou pela boca de Leão”. Do mesmo modo, os Padres do III Concílio de Constantinopla (680) aclamaram o decreto do papa Agatão que condenava o monotelismo, dizendo: “Pedro falou pela boca de Agatão”.

Como se vê, já desde os primeiros séculos, a Igreja romana é reconhecida como o centro da fé e como a norma segura da ortodoxia. Quanto mais avançamos, tanto mais explícitos são os termos que nos manifestam a universalidade desta crença até chegarmos à definição do dogma pelo concílio Vaticano I.

Os papas nunca erraram nas questões de fé e de moral. É este o ponto mais importante do argumento histórico. Com efeito, se alguns dos nossos adversários pudessem demonstrar que alguns papas ensinaram e definiram o erro, a infalibilidade de direito ficaria comprometida. Ora, os historiadores racionalistas e protestantes julgam encontrar provas desta falibilidade. Os casos principais a que aduzem são o papa Libério que, segundo eles, caiu no arianismo e o de Honório, que teria ensinado o monotelismo.

Objeções

O caso do papa Libério (352-366). Os historiadores racionalistas acusam o papa Libério de ter assinado uma proposição de fé ariana ou semi-ariana, para alcançar do imperador Constâncio o favor de voltar a Roma.

Resposta

A. Exposição dos fatos. Recordemos brevemente os fatos. Em 355, o imperador Constâncio, favorável ao arianismo, ordenara ao papa Libério que assinasse a condenação de Atanásio, bispo de Alexandria, o grande campeão da fé ortodoxa. Como se recusasse a fazê-lo, foi exilado para Bereia na Trácia, e o arcediago Félix foi encarregado da Igreja de Roma. Depois de um exílio de três anos aproximadamente, Libério foi restituído à sua sé (358).

B. Solução da dificuldade. Toda a questão se resume em saber que motivos levaram o imperador a levantar-lhe a pena de exílio. Há duas opiniões. Uns, seguindo Rufino, Sócrates, Teodoreto e Cassiodoro, afirmam que o imperador Constâncio pôs termo ao exílio do papa por temor de insurreições do povo romano e do clero, por causa da grande popularidade do pontífice. Outros, pelo contrário, julgam que o papa obteve o levantamento da pana, mediante condescendências culpáveis e concessões feitas em matéria de fé.. Respondamos a esta segunda opinião.

Os seus partidários, para fundamentar a sua pretensão, apóiam-se em dois gêneros de testemunhos:

Nos depoimentos dos contemporâneos: S. Atanásio, S. Hilário de Poitiers, S. Jerônimo;

Nas declarações do próprio Libério.

Entre os fragmentos do Opus historicum de S. Hilário, chegaram até nós nove cartas do papa Libério, quatro das quais datadas do exílio, parecem ser comprometedoras. Com efeito, nestas cartas o papa, para alcançar o favor declara que condena Atanásio, faz profissão da fé católica formulada em Sirmium e pede aos seus correspondentes Orientais, em especial a Fortunaciano de Aquileia, que intercedam perante o imperador para lhe abreviar o exílio.

A estas duas espécies de testemunhos aduzidos pelos adversários, responderam alguns apologistas negando a autenticidade dos depoimentos dos contemporâneos e rejeitando as cartas do papa Libério como apócrifas. Mas como não é possível provar que os testemunhos dos contemporâneos e os do próprio papa Libério não sejam autênticos, devemos aceitar a discussão na hipótese de sua autenticidade. Tudo se reduz a conhecer qual foi a falta do papa e que fórmula subscreveu; porque quando Libério terminou o exílio havia três fórmulas ditas de Sirmium. Dentre eles, só a segunda, que declara que a palavra consubstancial deve ser rejeitada como “estranha à Escritura e ininteligível”, é tida por herética. Ora, comumente se admite que não foi esta a fórmula que o papa assinou, mas provavelmente a terceira.

Quer se trate, porém, da primeira quer da terceira, os teólogos são unânimes em dizer que essas fórmulas não são absolutamente heréticas, apesar de terem o grande inconveniente de favorecer o semi-arianismo, suprimindo a palavra consubstancial da profissão de fé do concílio de Nicéia.

Conclusão. Portanto, ainda na hipótese mais desfavorável, podemos concluir:

Que o papa Libério cometeu apenas um ato de fraqueza condenando, num momento angustioso o grande Atanásio: fraqueza que Atanásio é o primeiro a desculpar: “Libério, diz este grande doutor, vencido pelos sofrimentos de um exílio de três anos e pela ameaça do suplício, assinou por fim o que lhe pediam; mas tudo se deve à violência”.

Além disso, o papa Libério nada definiu; se cometeu algum erro, quando muito podemos dizer que errou como doutor particular e não como doutor universal, quando fala “ex-cathedra”. E, mesmo que tivesse falado “ex-cathedra” - o que não admitimos - não tinha a liberdade de se requerer para o exercício da infalibilidade. Logo, em qualquer hipótese, a infalibilidade está fora de questão.

O caso do papa Honório (625-638). A dar crédito aos adversários da infalibilidade pontifícia, o papa Honório ensinou o monotelismo em duas cartas escritas a Sérgio, patriarca de Constantinopla, e por isso foi condenado como hereje pelo VI Concílio ecumênico e pelo papa Leão II.

Resposta

Exposição dos fatos. Em 451, o concílio de Calcedônia definira contra Eutiques que em Jesus Cristo havia duas naturezas completas e distintas: a humana e a divina. Se há duas naturezas, há também duas vontades: o concílio não o disse expressamente, mas é evidente, pois uma natureza inteligente não pode ser completa sem a vontade.

Não foi esse, porém, o parecer de alguns teólogos orientais que ensinaram haver em Cristo uma só vontade, a divina, ficando a vontade humana como que absorvida pela divina. Essa doutrina era falsa, mas os seus partidários julgavam encontrar nela um meio de conciliação entre os eutiquianos ou monofisistas, isto é, os partidários de uma só natureza, e os católicos. Os primeiros deviam admitir duas naturezas em Cristo e os segundos deviam conceder a unidade de vontade. Essa tática foi adotada por Sérgio, que escreveu nesse sentido ao papa Honório.

Numa carta repleta de equívocos e onde a questão era ardilosamente apresentada, dizia que tinha reconduzido muitos monofisistas à verdadeira fé e pedia-lhe que proibisse falar de uma ou duas energias, de uma ou duas vontades. Honório deixou-se enganar e escreveu a Sérgio duas cartas em que o felicitava pelo bom resultado obtido, e outra a S. Sofrónio, patriarca de Jerusalém e defensor da ortodoxia, na qual lhe aconselhava que não empregasse as palavras novas de “uma ou duas operações”. Operação, na linguagem da época, era sinônima de vontade. Não obstante a intenção conciliadora que ditou estas cartas, as disputas foram aumentando até ao VI concílio ecumênico, terceiro de Constantinopla, que anatematizou os monotelitas e, entre outros, o papa Honório.

Solução da dificuldade. A dificuldade que devemos resolver é a seguinte. Honório, nas duas cartas a Sérgio, ensinou o erro? Terá sido condenado por esse motivo pelo VI concílio ecumênico? São duas as soluções apresentadas pelos apologistas. Uns afirmam que as cartas a Sérgio são apócrifas e deste modo a questão fica cortada pela raiz. Outros admitem a sua autenticidade e é neste campo que nos colocamos, para responder aos adversários. Devemos pois inquirir se estas cartas contêm alguma heresia.

Ninguém pode negar que Honório ladeia a dificuldade com o máximo cuidado e recusa pronunciar-se acerca das duas vontades. No entanto - note-se bem esta particularidade - começa por lembrar as decisões do concílio de Calcedônia e afirma claramente que em Jesus Cristo há duas naturezas distintas, operativas. Em seguida, aprovando a tática de reconciliação adotada por Sérgio, recomenda que não se avance mais no assunto e não se torne a falar de uma ou duas operações. Acrescenta, é verdade, que em Cristo há uma só vontade, mas pelo contexto se depreende que não quer com isso negar a existência da vontade divina em Jesus; o seu fim é simplesmente excluir as duas vontades a que insidiosamente Sérgio aludia: as duas vontades que lutam em nós, a do espírito e a da carne. Honório, portanto, não nega que haja em Cristo uma vontade divina e outra humana, mas somente afirma que a vontade humana de Jesus não é, como a nossa, arrastada por duas correntes que se contrariam.

Todavia, objeta-se, Honório foi condenado pelo VI concílio ecumênico e pelo papa Leão II. Advirta-se, em primeiro lugar, que nem todas as palavras contidas nas Atas dos Concílios são infalíveis e que as decisões de um concílio só gozam do privilégio da infalibilidade, depois de serem examinadas pelo papa. Ora, as atas do VI Concílio, onde estava exarado o anátema contra Honório e contra os principais monotelistas como Sérgio, não foram confirmadas pelo papa. O Sumo Pontífice limitou-se censurar o modo de proceder de Honório, sem o anatematizar, como fez aos outros, e não lhe infringiu a nota de hereje.Conclusão. Podemos portanto concluir:

Que Honório não ensinou nem definiu o monotelismo. Quando muito pode dizer-se que não foi clarividente e que em certo modo favoreceu a heresia, abstendo-se de definir e recomendando o silêncio quando devia falar, proporcionando assim aos monotelistas um pretexto para sustentarem sua doutrina.

Ainda que houvesse erros nas suas cartas e, por esse motivo, fosse condenado pelo VI concílio, o erro e a condenação só o atingiriam como doutor particular, e não como doutor universal. Portanto, nem o caso de Honório nem o de Libério, são argumentos contra a infalibilidade pontifícia.


Fonte: Fonte: Bibliografia: Tratados de filosofia; em particular o Manual de Filosofia de C. Lahr (Porto, Apostolado da Imprensa), e os de Fonsegrive, Jolivet e G. Sortais. - S. Tomás, Summa Teológica, De veritate. - Kleutgen, La philosophie scholastique (Gaume). - De Pascal, Le Christianisme, I. Part. La verité da la Religion (Lethielleux). - P. Julien Werquin, L´Évidence et la Science.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Formando e Informando Católicos; Paz e Bem! Agradecemos sua participação no blog!!

Ratings and Recommendations by outbrain