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17 de maio de 2011

A LITURGIA QUE CELEBRAMOS

Partindo do sentido da palavra "liturgia" como trabalho (serviço) exercido em favor da comunidade, lembramos que Deus realizou a melhor obra em favor do povo. 
A melhor liturgia, portanto essa obra de Deus teve o seu auge no mistério de Cristo, morto e ressuscitado, pelo qual fomos salvos do pecado e da morte e, pelo Espírito Santo, atuando hoje na nossa história, nos tornamos "filhos de Deus, família de Deus, povo de Deus, Igreja, raça escolhida e nação santa, habitação do Altíssimo Senhor, colaboradores diretos do Cristo no cuidado do paraíso chamado planeta terra".


A "liturgia" de Deus, portanto, continua. E essa liturgia a gente celebra, pois o próprio Jesus nos pediu: "Façam isto em memória de mim". Celebrem (tornem célebre!) a obra que Deus realizou em favor de vocês, por meu intermédio. De fato, os cristãos obedeceram ao Senhor e passaram a celebrar a grande obra de Deus em favor da humanidade.
Passaram a celebrar a "liturgia" de Deus: pela Eucaristia, mas também pelos sacramentos em geral, pelo Ofício Divino (oração dos salmos), pela prática da caridade, etc. 
A maneira de celebrar a liturgia (isto é, a grande obra de Deus em favor da humanidade), tem variado conforme os tempos, as mentalidades, as culturas. 
Por exemplo, percorrendo a história, dá para perceber que a celebração da liturgia no primeiro milênio era entendida e praticada de maneira bastante diferente do segundo milênio.


CARACTERÍSTICAS NO PRIMEIRO MILÊNIO


Vejamos como era a liturgia no primeiro milênio, pelo menos até o século 9. Detectemos aqui apenas algumas características próprias da celebração da liturgia no primeiro milênio. Vale a pena conferir. Em outra ocasião, veremos como era no segundo milênio.


1.º No primeiro milênio, a liturgia (toda ela) era vivida e compreendida como celebração memorial do mistério de Deus atuando na história. A liturgia era vivida e compreendida como celebração do mistério pascal. Era uma liturgia, portanto, que garantia a centralidade desse mistério. A Páscoa (paixão, morte e ressurreição), que nos fez passar da morte para a vida, era o motivo central de toda celebração da liturgia.




Igreja de São Nicolau em Mottola, Itália, escavada na pedra no século 15
2.º A liturgia tinha um cunho eminentemente eclesial-comunitário. Refletia um modo de ser Igreja toda ela ministerial. A assembléia era sentida e vivida como corpo de Cristo, povo sacerdotal. Por isso, zelava-se pela distribuição de diferentes serviços nas ações celebrativas, e toda a assembléia se sentia a celebrante da liturgia. Temos, portanto, uma liturgia cujo ator da celebração era a comunidade presidida por seus pastores. O povo todo reunido em assembléia se sentia sujeito da celebração de liturgia. E todos participavam ativamente.


3.º A liturgia era "a devoção popular" e a principal fonte de espiritualidade cristã. Não existiam outras devoções. A centralidade do mistério pascal celebrado na liturgia é que era determinante. Inclusive os mártires eram celebrados à luz desse mistério.


4.º O povo tinha um contato direto com a Palavra de Deus na liturgia. Ao se proclamarem as Escrituras, o povo sentia que era Deus mesmo que estava falando. Portanto, a escuta da Palavra era vivenciada como um momento privilegiado de diálogo de Deus com seu povo.


5.º Procurando ser fiel à tradição cristã e apostólica, isto é, buscando garantir o eixo central da liturgia, que é o mistério de Cristo, as assembléias litúrgicas sabiam participar desse mistério, usando a linguagem própria de sua cultura, com sua língua e costumes próprios. Tanto é que se formaram, tanto no Oriente como no Ocidente, verdadeiras "famílias litúrgicas", com sua língua e costumes próprios. Dentre as diferentes "liturgias" que se formaram no primeiro milênio, temos também a liturgia romana.


6.º A liturgia romana, da qual somos herdeiros, tinha a característica de ser simples, sóbria, despojada e prática, mas ao mesmo tempo elegante e nobre. As orações (geralmente dirigidas ao Pai, por Cristo, no Espírito Santo) eram curtas, objetivas, concisas, e muito bem elaboradas. Sem muitos rodeios, mas com elegância literária e impressionante densidade teológica, ela se atém ao essencial, a saber, ao mistério celebrado. Importante é o mistério que se celebra. A celebração eucarística tinha como finalidade adorar a Deus Pai, mas por meio de Jesus Cristo, na representação do seu sacrifício único. O culto eucarístico era impressionantemente sóbrio. Com muita reserva se falava de adoração do santo alimento. Não existiam sinais de veneração (genuflexão, elevação, toque de campainha etc.) no momento da consagração, nem depois. Muito menos existia adoração ao Santíssimo Sacramento durante a missa, como se entende e se faz hoje em muitos lugares. Entendia-se, na missa romana, que a eucaristia nos é dada por Deus em primeiro lugar para ser comida e bebida, e não tanto para ser adorada.


7.º Numa palavra, durante o primeiro milênio, o que se procurava era garantir o essencial, quando se celebrava a divina liturgia, a saber: o mistério pascal como motivo central da celebração, o contato direto de todos com a Palavra de Deus proclamada na celebração, a participação ativa, consciente e plena de todos na celebração, o jeito de celebrar adaptado aos diferentes povos com sua cultura. O batismo era visto como um verdadeiro 'mergulho' da pessoa no oceano de água viva de Deus, para em comunidade se viver a vida de Deus. Aliás, a própria palavra "batismo" (que vem da língua grega) significa mergulho! Deus 'mergulha' no mar da nossa existência (cheia de anjos e demônios!), e nós 'mergulhamos' no abismo do amor de Deus.


A missa era encarada mesmo como uma ceia, um banquete do qual todos faziam questão de participar, comendo e bebendo do corpo e sangue do Senhor entregue por nós e por nossa salvação. O matrimônio era visto como um sinal visível (um símbolo!) do casamento definitivo que existe entre Deus e nós, e vice-versa. Todos os sacramentos eram vistos como presença viva do Deus da vida. Pelos sacramentos somos 'tocados' pelo mistério pascal do Senhor e nós 'apalpamos' o mistério de Cristo que nos salva e dá coragem.


Frei José Ariovaldo da Silva, doutor em Liturgia,
professor do Instituto Teológico Franciscano (ITF),

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