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19 de maio de 2010

Os desafios da Igreja Católica no século XXI


Como manter princípios e fiéis no mundo moderno individualista?


A moral e os costumes, a arte e a ciência, a política e até a economia, toda a bagagem cultural que a humanidade carrega hoje foi tocada e, freqüentemente, moldada pelo cristianismo. Não houve na história personagem mais influente do que o pregador que se dizia filho de Deus. Seus ensinamentos e a religião fundada em seu nome triunfaram por vinte séculos, enfrentando e vencendo crises com uma força que para os fiéis só pode ter inspiração divina. É uma história respeitável, para dizer o mínimo.
No entanto, o novo milênio iniciado há pouco traz desafios talvez ainda maiores para a sobrevivência e a predominância do cristianismo. Especificamente, apresenta grandiosos obstáculos ao seu braço mais vigoroso – e rigoroso -, a Igreja Católica. Como será daqui para a frente? Como serão a face e a voz de Jesus Cristo – e de sua Igreja mais antiga - num mundo em furiosa transformação tecnológica e de costumes?
O primeiro obstáculo apontado por especialistas não é novo, e nunca deixará de espreitar a cristandade em qualquer época e local: a chamada secularização, fenômeno pelo qual as crenças e instituições católicas deixam de pertencer a uma esfera puramente religiosa – ou mística - para ganhar contornos leigos, e, muitas vezes, filosóficos. A história cristã apresenta diversos exemplos concretos de secularização, da tomada dos bens da Igreja pela nobreza alemã protestante no século XVI até a pregação dos líderes da Teologia da Libertação no Brasil dos anos de 1960, quando a religião foi usada na formulação de teorias sociopolíticas.
Num sentido mais genérico, a secularização que preocupa o Vaticano é a tendência que as pessoas têm - hoje em dia mais do que nunca, talvez - de ignorar os ensinamentos da Igreja. A indiferença de quem ouve é o pavor de todos os doutrinadores. É muito comum encontrar fiéis que querem ser bons católicos sem ter de seguir à risca cada um dos ditames dos padres e sacerdotes. Eles se afirmam cristãos convictos ao mesmo tempo em que usam métodos anticoncepcionais, fazem aborto ou casam-se e divorciam-se ininterruptamente, por exemplo.
Soma-se a este problema interno as pressões exercidas por boa parte da sociedade ocidental - católicos e não católicos – para que a Igreja “se modernize”, seja mais coerente com situações corriqueiras nos dias de hoje. No passado, o Vaticano afastou as mulheres do sacerdócio e proibiu os padres de se casarem. Atualmente, isso começa a parecer para muitos devotos um dogma que engessa a fé em regulamentos ultrapassados. O fim do celibato clerical já chegou a ser apontado com uma saída para evitar escândalos como o dos padres pedófilos, que infestaram a igreja dos Estados Unidos e sabe-se lá mais de onde.
Num horizonte mais distante, há ainda os pedidos de aceitação do casamento gay – já legalmente realizado em alguns países. Dentro do catolicismo, a questão que não tem, ao menos hoje, muitas perspectivas de ser resolvida em breve. Certa vez, ao encontrar a diretora executiva da ONU, o papa João Paulo II afirmou a ela, com o dedo em riste: "Uma família é um marido, uma mulher e suas crianças. E o casamento é a única base de uma família. Os homossexuais e as lésbicas não são famílias".
Como se não bastasse o efeito provocado no catolicismo por estas questões contemporâneas, a Igreja ainda se vê às voltas com o complexo desafio de manter a unidade da doutrina cristã ao mesmo tempo que faz aberturas na direção de outras crenças. Como admitir a existência de outros credos sem perder a fé na hegemonia de seus princípios? A bandeira do ecumenismo nunca foi tão levantada dentro e fora do Vaticano, o que levou o clero romano a repensar sua postura sobre o tema durante o século XX. Houve até acenos de conversas com os protestantes, numa suposta tentativa de restabelecer a unidade que uma vez existiu entre as duas correntes. No entanto, estes fracos sinais não escondem os problemas de convivência que existem – mais em alguns pontos do planeta do que em outros – entre católicos e judeus, ou entre católicos e muçulmanos, por exemplo.
O ambiente de ampla liberdade religiosa que predomina na maioria dos países cristãos – mais nos protestantes do que nos católicos - permitiu, por exemplo, que o islã construísse uma de suas maiores mesquitas em plena Roma dos santos e dos papas. Mas os cristãos têm de disputar espaço com o islamismo nos países onde ele predomina. A construção de qualquer templo que não seja uma mesquita é rigorosamente proibida nos países islâmicos. O islamismo não se contrapõe apenas ao cristianismo, mas ao pensamento ocidental como um todo. Tendo a Igreja Católica a importância que tem no mundo ocidental, ela será sempre uma das primeira instituições convocadas a discutir as querelas com os muçulmanos.
Todos os desafios atuais enfrentados pelo Vaticano foram mais do que prenunciados desde o fim do século XIX. A maior tentativa de reação aos “tempos modernos” do catolicismo foi a organização do Concílio Vaticano II, entre 1962 e 1965. O objetivo dessa grande assembléia religiosa proposta pelo papa João XXIII era dar impulso à dimensão pastoral da instituição, atenuando o papel inquisitório por ela desempenhado nos séculos precedentes. O norte dos debates foi o diálogo com o homem moderno e com as outras religiões, e suas resoluções foram a principal fonte de inspiração para todos os papas que o seguiram – o mais notável foi João Paulo II, que nunca se cansou de evocar o Concílio para justificar suas ações.
Diante de tantos obstáculos, a Igreja chega ao início do século XXI procurando afirmar-se como instituição capaz de dar conta de questões morais e políticas que extrapolam o plano da fé. Mas, principalmente, inicia o milênio pregando o apego à pureza doutrinária e à tradição, como estratégia para se impor a um mundo volátil e de frágeis valores morais. Foi o que fez João Paulo II, e ó que vem fazendo seu sucessor, Bento XVI. O tempo dirá se a decisão de seguir por este caminho é capaz de adaptar a religião à sua época ou se levará a Igreja a um indesejado isolamento.

Fonte: revista Veja.

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